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Administrador por profissão Um cearense como tantos outros que deixaram a boa terrinha para ganhar a vida em São Paulo. Bem humorado como todo cabeça chata.

14 de jun. de 2009

Crônica que abre o livro

Oi, pessoal!! Para vocês conhecerem um pouco do livro.

SAMPA NA HORA DO RUSH


Olha, vou lhes contar. Já vivi muita coisa lá no meu Ceará, e quando cheguei à terra da garoa – ou melhor, do toró! – o susto foi grande. Carro pra tudo quanto é lado, prédio a dar com pau e gente correndo, sempre com pressa. Aliás, acho mesmo que paulista só gosta de fazer as coisas todos juntos.
Pois é, e cheguei por essas bandas, como diria o grande Luis Gonzaga “a mala era uma trouxa e o cadeado era um nó”.
E fui explorar a cidade. Lá pela Praça da Sé, tinha uma aglomeração. Cheguei para olhar de perto, vi dois policiais batendo em uma pessoa. Perguntei para um cidadão que estava ao meu lado:
– Que foi que esse cara fez?
– O policial pegou ele cheirando farinha.
Tratei logo de sair de perto. Se o cara tava apanhando daquele jeito só porque estava cheirando farinha, imagine se o policial descobre que eu como?!
Eu tinha que ir pra estação Barra Funda. Um amigo tinha me dado a dica:
– Cara, você pega o Metrô para o Jabaquara e faz a baldeação na Sé. É super rápido.
E eu pensando: pra quê levar um balde para pegar o Metrô? Mas o cara era paulista; devia saber do que estava falando. Arrumei um balde e fui.
Metrô é uma maravilha! Tudo muito sinalizado, aviso no sistema de som a todo instante. Chegamos à estação da Sé, eu e meu balde, bem na hora do rush (não sei nem que diabéisso, mas os paulistas falam assim). Aí, começou meu suplício. Tudo bem, é bem sinalizado, mas tem placa demais! Parei um pouco para me situar, aproveitei e usei o balde como banco, e fiquei só olhando o jeito do povo.
Vocês já repararam que ninguém obedece aos avisos no sistema de som? “Atenção, não corra na plataforma”. Só via era gente correndo pra tudo quanto era lado. “Ao toque da campainha não entre nem saia do trem”. Eu vi, pelo menos, umas quatro pessoas ficarem presas nas portas. Isso quando não acontece do sujeito vir correndo, e entrar com tudo no trem, alguns mais alvoroçados dão com as fuças na outra porta. Então, é bom obedecer aquele outro aviso “Ao entrar no trem não permaneça nas portas”, e eu acrescentaria “você pode levar uma trombada”. Agora, acho legal mesmo, é quando a pessoa vem correndo e a porta fecha a um passo antes dela entrar. Aí, o sujeito dá um suspiro, e faz aquela cara de quem perdeu um orgasmo. Ahhhhhhh.
Depois que me situei, fui lá pegar o trem para a estação Barra Funda. Como era a hora do rush (ainda vou descobrir que diabéisso), tava lotado de gente. Estou lá, firme, segurando meu balde. Quando o trem apareceu no túnel, começou o aquecimento na plataforma. Sabe como é? Aquele balanço, de um lado pro outro, os ombros se tocando... O trem parou, para minha sorte, eu estava bem na porta, e fui junto com a massa. Logo estava na plataforma de novo.
– Nossa!! Bem que me falaram que esse negócio era rápido.
Quando olhei para trás, o trem tava saindo. Eu tinha passado direto nas duas portas e saído do outro lado. Na minha mão só a alça, o balde tinha ficado no trem.
Tem também a questão do futebol. Em São Paulo, a primeira coisa que se pergunta para alguém, depois do nome, é para qual time a pessoa torce. Se você não tem um time, vira uma espécie de E.T. Eu sempre achei esse negócio de torcer pra time de futebol meio suspeito. Pensa só. O camarada, ao invés de estar em casa, com a esposa, ou namorando, vai para um estádio junto com outros quarenta mil homens, ver vinte e dois homens correr atrás de uma bola? Aí o time deles METE um gol. Pronto! Tá iniciada a suruba, os caras se abraçam, se beijam, choram, têm orgasmos EPTELIAIS! Sinceramente, futebol pra mim é coisa de viado.
Esse negócio de futebol é sério. Tive algumas dificuldades por não ter time.
- O meu!! Você é o quê?
- Sou cearense, graças a Deus.
- Não, meu!! Quero saber para qual time você torce.
- Pra time nenhum.
- Pô, estranho, hein meu?
Mas arrumei um jeito de contornar esse tipo de situação. Eu tinha um vizinho que era corintiano. Imagine morar ao lado de uma pessoa que todo final de semana colocava para tocar o hino do Corinthians... No dia das mães? Hino do Corinthians. Dos pais? Hino do Corinthians. Natal? Hino do Corinthians, e sempre no ultimo volume? Quando o Corinthians ganhava, lá ia a criatura berrar na janela: “SAMO CÃOPEÃO!!” Aí, eu peguei um certo abuso do Corinthians, aliás esse time só me dá alegrias. Corinthians perdeu? Pronto! Minha semana tá ganha. Agora, quando alguém me pergunta pra que time eu torço. A resposta vem fácil: contra o Corinthians!!
Não posso esquecer de falar do trânsito. Como falam os paulistanos: “Coisa de loco, meu!!” Tai um negocinho complicado o trânsito de Sampa. Primeiro, parece que todo mundo tem carro. Depois, dá a impressão que estão todos indo ao mesmo lugar e ao mesmo tempo. Na hora do rush, então (eita palavrinha esquisita)... E para completar, não existe caminho reto. É viaduto, elevado, cebolão, marginal disso e daquilo. Se você não conhece o caminho, lhe aconselho a não tentar achar sozinho. É difícil, passa sempre por um cemitério... Falando em cemitério, outro dia fui acompanhar um amigo que estava querendo comprar um terreno num cemitério. O cara tava bem de saúde, mas sabe como é, nunca se sabe o dia de amanhã. Pois bem, chegamos lá no cemitério (por favor, não me perguntem onde fica). A papa-defunto, quer dizer, a corretora de jazigos, muito animada, ia mostrando tudo. Quando chegamos na sala do velório...
– Olhem só, que local maravilhoso a sala dos velórios. Aqui, nós temos a preocupação de dar o maior conforto aos parentes, porque para o CLIENTE, isso não vai ter mais muita importância. Temos todos os APETRECHOS para o velório, vocês só entram com o defunto, não importa qual seja a religião viu? Católica, protestante, espírita, adventista, macumbeiro. Temos de tudo. Crucifixos, velas, imagem de santos, aqui quem manda é o CLIENTE, se não, não teria a menor GRAÇA.
Mas voltando ao trânsito, outro dia pedi informação.
– Amigo, como faço pra chegar no fórum?
– Ô meu, pega aí a Marginal até a ponte do Limão e segue reto. Aí, você vai CAIR ali próximo do Playcenter, não dobra não, continua reto, e já vai pegando “as direita” que mais uns trezentos metros tem uma entrada. Não entra nela não, segue reto, aí na próxima alça você VIRA “as esquerda” que o fórum é do outro lado. Tá ligado, mano?
E eu pensando... primeiro tinha que CAIR e depois VIRAR não sei onde. Vou nada!! Dei o maior duro pra comprar meu “POIS É” (“Pois É”, para quem não sabe, é como os paulistas chamam carro ZERO) e o cara fala que tenho que VIRAR meu carro?! Desisti e fui embora. Pelo menos para casa eu sabia o caminho.
E os motoloco ninja? Na hora do RUSH (ói o bicho aí de novo), os caras aparecem do nada. Por isso nunca ande com o braço do lado de fora do carro. Eles levam teu braço, o retrovisor e tudo mais que estiver na frente. Quando chove, então? Chiiiii!!! Aí, trava tudo, alaga tudo, a cidade fica parecendo uma lagoa. Então amigo, se chover, fique onde está. A não ser que onde você esteja comece a inundar... nesse caso, fuja para um lugar alto.
Por aqui tem todo tipo de gente. Japonês, chinês, coreano, africano, judeu, muçulmano, católico, protestante, e o bacana é que ninguém tá se matando por ser diferente, e também muito nordestino, aliás, em São Paulo nordestino é “baiano”. E também os mineiros. Tem até a história do mineirinho que chegou em São Paulo, tava lá, tranquilo, passeando pela Av. Paulista bem na hora do RUSH (essa palavra me persegue), entrou num prédio, daqueles enormes e ficou olhando deslumbrado, com a mão no queixo, para um elevador. A porta abriu e entrou uma mulher feinha, coitada, toda desarrumada. E o mineirinho olhando. A porta fechou. Quando a porta abre novamente e sai uma loira dessas de parar o trânsito na hora do RUSH (de novo essa palavra). O mineirinho falou: “Rapaz, sô, tô precisando demais por minha muiê numa máquina dessas!!”.
Feira livre tem todo dia, de domingo a domingo, pode procurar que acha. É uma gritaria sem fim.
– É A DEZ!! É A DEZ!!! QUEM QUER LEVAR MANDIOCA É A DEZ!! REAJE CEARÁ!! É A DEZ!!!
– ABRE O OLHO JAPONES, QUE TUA MANDIOCA É A DEZ, MAS É PEQUENA!!!
– OLHA O PIQUI!! UM É CINCO E TRÊS É DEZ!!!
– Nossa!! Esse piqui tá muito pequeno, moço!!! Eu gosto de comprar daquela moça. O piqui dela é maior.
– ALGUÉM VIU A MOÇA DO PIQUITÃO??
Pois é, pessoal, essa cidade é muito louca, MEU!! E eu estou aqui pensando, enquanto fico parado no trânsito, adivinha em que hora? Na do RUSH, meu filho!! Lá se foi meu retrovisor!! Eu acho que já passei por esse cemitério. Ai, meu Deus!! Hoje tem feira naquela rua!! Chii!! Tá começando a chover!! PUTZ!! Tinha esquecido!! O Corinthians ganhou o jogo hoje. Só faltava essa!! Um bando de corintianos!! –ÊÊÊ ÔÔÔ!! TIMÃOOOO!! SAMO CÃOPEÃO!! SAMO CÃOPEÃO!! Pronto!! Descobri o que quer dizer RUSH!! É que o sotaque paulistano deixa todas as vogais fechadas!! A hora na verdade é do RACHA!!
Falando sério, São Paulo é uma cidade boa de se viver. Tem de tudo. Acolhe a todos. É uma grande cidade. Paradoxal. Em São Paulo todos os espaços estão ocupados, mas, se a pessoa quiser, ela consegue ocupar o seu espaço também. Sampa lhe impõe um ritmo, e naturalmente cobra seu preço. E é esse ritmo e essa cobrança que faz de São Paulo ser o que é. Nessa cidade, passei as melhores e maiores dificuldades de minha vida. Se me arrependo de alguma coisa? De não ter vindo para São Paulo antes.
Essa cidade me deu tudo!! São Paulo, muito obrigado!!

12 de jun. de 2009

Apresentação

DOIS DEDOS DE PROSA

Eleuda de Carvalho
Jornalista

Nem sabia que ele escrevia – e tão bem, gostoso, fluido, feito uma conversa boa, entre amigos, quem sabe em torno da mesa de uma cozinha familiar. Conheci Elúsio nas noites de Fortaleza, idos de 80, quando todos éramos jovens demais, impetuosos, devorando a cidade e o que ela nos oferecia: por exemplo, os shows punks na associação dos servidores da UFC. A Flor, irmã do Elúsio, era líder (líder?, é sim, vá lá) de uma delas. Ótimos tempos.

Que continuam ótimos, com seus percalços e escorregos, só pra dar mais molho ao cotidiano, às vezes sem sal. Certo dia, recebo e-mail do amigo Elúsio, tanto tempo, pois é, tanto tempo, como naquela canção do Paulinho da Viola. Sem a tristeza de sinais fechados, bem entendido. Papo vai, papo vem, o Elúsio me manda uma deliciosa crônica sobre um cearense chegando em São Paulo.

Um pouco a própria trajetória dele, ao mesmo tempo, o caminho de muitos outros cabeças-chatas, que saem da terra natal em busca de sonhos, de realizar planos, e conseguem, mesmo quando eles – os sonhos, os planos - não dão certo. Porque a vida, ah, a vida sempre dá certo. É preciso amor, coragem e fé. E isso, a gente tem pra dar e vender, camaradas.

Aquele texto foi uma primeira experiência, e o querido amigo me fez a graça de ser uma das primeiras a conhecê-lo. Que bom que ele prosseguiu com outras histórias, casos entre o verídico e o imaginado, o individual e o de domínio público, agora reunidos no livro Papo Verídico, para deleite dos leitores. Elúsio Fontenele desvela, com fina ironia e vero carinho, tipos humanos inesquecíveis, e que a gente identifica com aquele amigo, aquela amiga.


Coisas que tocam na emoção de todos nós. Veja, leitor, a profusão de Marias, a quase tragédia da fofoqueira dona Paulina, o incrível Ferreira e a corda de caranguejos (e ainda saberemos que o Ferreira é o pai do Elúsio, a quem ele dedica este pedacinho de memória. Emociona e faz rir também. O autor tem o timing da comédia).


Outros tipos o leitor vai conhecendo ao virar das páginas, por exemplo, o torcedor de futebol – e toda a paixão que este esporte inspira. Futebol, esta delícia bestial! Cenas cotidianas passam aos nossos olhos como andar de ônibus ou mesmo dirigir um carro, bem na hora do rush (e em São Paulo!). Um dos textos mais engraçados trata dos bisonhos e mocorongos da caserna. Eita, a vida dura do samango...


O presente passeia lado a lado com recordações do passado, feito a infalível pontaria da irmã Francisca – uma lembrança que Elúsio recupera dos seus tempos de jardim da infância. O mote escolar deriva para a universidade, com a experiência, cômico-trágica, de quem passou no vestibular. E quem foi “bicho” vai dar gostosa gaitada.

Reflexos da vivência em Fortaleza estão disseminados em vários textos, como aquele que destaca a Baixinha, da Balaço-baco Produções, ou em ditos bem nossos, como quando ele compara uma língua ferina à peixeira de pescador. Casamento, mesa de bar, garçom (e a piada velha do dedo na sopa, mas que Elúsio consegue revigorar). Um trancelim de histórias saborosas, desenrolando-se entre a Terra de Iracema e a Terra da Garoa (ambas com sua generosa hospitalidade), para deleite de quem lê. É uma viagem.